sábado, 5 de julho de 2008

Hotel Thermas - Mossoró (Brasil)


Nome: Hotel Thermas
País: Brasil (Rio Grande do Norte)
Cidade: Mossoró
Saber mais:
http://www.hotelthermas.com.br/, http://www.prefeiturademossoro.com.br/, http://pt.wikipedia.org/wiki/Mossoro,


Não foi na minha primeira vez no Brasil que descobri Mossoró, a segunda maior e mais importante cidade, logo depois de Natal, do Estado do Rio Grande do Norte. Uns anos antes, também por razões exclusivamente profissionais, havia permanecido uma semana no Rio de Janeiro: a cidade mais cantada e encantada, verdadeiramente a “cidade maravilhosa”. Por agora apenas isto, para escrever pouco do muito que se pode acerca do Rio - porque hoje é dia de outras paragens. Magnificas paragens.

Voei directamente de Lisboa para Natal, capital do Estado, e daqui para Mossoró de autocarro. Depois de uma noite mal passada, com o jet lag a incomodar o sono, o mini bus levou-me por cerca de trezentos custosos, quentes e desérticos quilómetros. Ao longo da estrada, nem sempre recta ou plana como a imagem preconcebida do Sertão Brasileiro me fazia crer, diverti-me observando as palavras pintadas nas traseiras de gigantescos camiões, espécie de transatlânticos cruzando mares de pó e terra seca e carregando, muito para além da carga, tiradas filosóficas de obrigatória reflexão. Atente-se apenas nestas: se ferradura desse sorte, burro não puxava carroça; pobre só enche barriga quando morre afogado; marido de mulher feia sempre acorda assustado…

Sabia o suficiente sobre Mossoró e o Hotel Thermas por força do hábito de me documentar antes de viajar mas, apesar de avisado e da noite já ir para velha aquando da chegada, não pude deixar de me surpreender com um calor sufocante sem igual que, mais tarde descobri, obriga até a dormir na rede, disponível em todos os quartos, em razão do corpo martirizado não aguentar a cama. Pelo calor, pela ausência de sono, pela excitação do sentimento de se saber estar a conviver com um lugar único, pela facilidade de encontrar quem como eu tinha o prazer e o gosto de conversar pela noite dentro, pela doçura do momento, a opção foi fácil: usufruir daquele espaço e ser companheiro da noite até o cansaço autorizar. São onze piscinas de água termais em 200 000m2 de jardim, com nomes e temperaturas bem sugestivas: dos japoneses 54º; do sal 50º; da ilha 4 2º; da fonte 34º; do castelo 28º; da cascata 34º; do tuboáguas 28º; playground molhado 28º; infantis 39º; conchas 31º; das tochas 30º; e só não são doze piscinas porque uma delas na fase de construção encheu-se de petróleo em vez de água e deu origem a um poço em plena actividade no coração dos jardins do hotel.

Mossoró é uma cidade pequena para a escala brasileira, duzentas e trinta mil almas que podem e devem orgulhar-se de ter sido aqui, em pleno Sertão, em 1927, que pela primeira vez no Brasil e na América do Sul uma mulher foi autorizada a votar. Se por si só este exemplo progressista não fosse bastante, podem ainda orgulhar-se de os seus antepassados do final do século XIX, 1883, terem soltado todos os escravos antecipando em cinco anos a abolição geral da escravatura no Brasil.

Hoje em dia, um micro clima muito próprio, a capacidade produtiva, empreendedora e inovadora destes Nordestinos permite arrancar a esta terra abençoada quatro colheitas anuais de fruta, em particular melão, manga e melancia. Se a isto juntarmos a produção de 95% do Sal Brasileiro e principalmente os três mil e quinhentos poços de petróleo que coabitam na periferia da cidade, pudemos imaginar que por aqui se pode viver com um padrão arábico. Infelizmente não se vive nesse padrão e dá muita pena que assim não seja. Também aqui, convivendo com todas estas riquezas, os pobres só enchem a barriga quando morrem afogados, as ferraduras não dão sorte e alguns ainda casam com mulheres feias.

sábado, 29 de março de 2008

La Boqueria





Fotos: Rui Pedro Cunha

Nome: La Boqueria
País: Espanha (Catalunha)
Cidade: Barcelona
Saber mais:
http://www.boqueria.info/Esp/index.php; http://en.wikipedia.org/wiki/La_Boqueria

Ao longo dos últimos anos a minha resistência tinha sido absoluta: “Não quero conhecer Barcelona. Não gosto de Barcelona!”

Depois de a visitar envergonho-me se recordar a infantilidade daquela posição, desde logo, e principalmente, pela contradição pouco inteligente que a mesma encerra: como se pode ser afirmativo sobre o que não se conhece, sobretudo quando se trata de opinião tão firme e convicta?

Logo a seguir à vergonha vem o espanto da coincidência. Vencido o preconceito, depois da primeira viagem as circunstâncias levaram-me três vezes a Barcelona no espaço de pouco mais de um ano. Hoje em dia, diga-se de imediato, estou absolutamente rendido à atmosfera única da capital da Catalunha. Para que não fiquem dúvidas da patetice do meu precoce julgamento, assumo, desta vez com total conhecimento de causa, que considero Barcelona uma das cidades mais maravilhosas que visitei.

Companheira do mar, esse marcante Mediterrâneo, cálido e tranquilo, esta cidade tem tanto para contar, em resultado da sua longa história de mais de dois mil anos, que sem dificuldade encontraria duas mãos cheias de lugares na minha memória. Hoje, porém, vou escrever sobre uma verdadeira overdose para os sentidos: “La Boqueria”, o mais extraordinário mercado de Barcelona e um dos mais famosos do Mundo.

Descendo a Rambla, o vai e vem de gente, como um rio de todas as raças, obriga à máxima atenção para não passar sem ver a entrada discreta do mercado, neste local desde 1840, que fica à direita para quem desce da praça da Catalunha até ao monumento a Cristóvão Colombo, a meio do percurso, um pouco antes de chegar ao Teatro del Liceo.

Entrando, o visitante descobre a cada passo, no meio da multidão frenética, o espectáculo de cor, cheiro e sabores, dos melhores ingredientes da gastronomia mediterrânea. A exposição dos produtos parece feita para embebedar a vista, muito mais como uma trabalhosa arte do que como técnica de merchandising. Nada parece que está ali para ser vendido e comprado, mas apenas para ser olhado com enlevo.

A fauna viva que habita o mercado é do mais heterógeneo que se possa imaginar, não fosse o “La boqueria” em si mesmo uma amálgama de interesses e motivações. É provável que comece logo por aqui o seu encanto: o Japonês míope e fotógrafo à procura do melhor ângulo; o idoso Catalão que vem comprar os legumes e as frutas mais frescas da cidade; a vendedora paquistanesa que aprendeu a vender frutos secos; o peixeiro de terceira geração de uma família que sempre soube apresentar o peixe e o marisco como ninguém; o Galego que atravessou a Espanha para vender presuntos e enchidos serranos; o grupo de adolescentes Americanas que riem alto sem saber de quê; a mulher esfarrapada de riso demente que mostra a barriga branca e gorda a quem passa; o cauteleiro que anuncia sem convicção o “El gordo”, o maior dos prémios.

O “La Boqueria” não é de só de Barcelona. É do Mundo. Porque o Mundo está ali – nas suas misérias e vaidades; na sua beleza e diversidade; para espanto de quem ao olhar, sabe, quer e pode ver.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Esplanada da Barracuda - "LUGAR DO MÊS"/MARÇO 08






Fotos: João Mindelis Macedo (irmão de Luanda...companheiro dos dias da Barracuda. Saudade "mano".)

Nome: Esplanada da Barracuda
País: Angola
Cidade: Luanda

Dizer apenas que “é um tempo único” é velhaca ingratidão. O privilégio de ter vivido esse tempo pelo lado de dentro, de o saber irrepetível, obrigará sempre à recordação revista e aumentada, saborosamente colorida e nostálgica.

Estávamos no início da última década do século passado e Angola preparava-se para a Paz, essa desconhecida. O final da guerra civil tudo prometia. O que antes era dúvida e desespero era agora certeza e esperança. Onde havia silêncio e medo chegava a festa e a imaginação.

Todos nós, camaradas cooperantes, aprendizes do sentir Africano, vivíamos genuinamente solidários na visão idílica e ingénua de um futuro que do passado não tivesse rigorosamente nada porque, nada havia para aproveitar. Frenéticos, em nervosas correrias de automóvel, com a companhia do som quente de Filipe Mukenga ou de Paulo Flores, saboreava-mos a suprema liberdade oferecida pela esperança. Para todo o lado e para tudo, mesmo por nada, percorríamos as ruas de Luanda dezenas de vezes ao dia e, à noite outras tantas ou mais ainda, porque o fim do recolher obrigatório assim o exigia.

Seja a partida, ou a passagem, do Maculusso ou das Ingombotas; da Maianga ou do Quinaxixe; do São Paulo ou da Samba; ou mesmo lá do Rangel ou do Prenda, invariavelmente a ponta da ilha era um destino, um íman, um porto seguro, onde se avistava o mar mais de perto e se colocava os olhos no futuro.

Na ponta da ilha de Luanda - que também é do Cabo desde quase sempre; terra dos Maxiluandas (homens do mar ou homens da rede) que deram o nome à vila de São Paulo de Luanda nascida à volta da baia vizinha – vivia a Esplanada da Barracuda, lugar de encontro de amigos. De todos os amigos ou amigos de todos, porque em Luanda “amigo do amigo meu amigo é”.

A esplanada da Praia da Barracuda, a última antes da ponta da ilha e logo depois da Praia dos Russos, era o corolário de um percurso de catorze quilómetros de praias magníficas, de apelidos sugestivos, imaginativos, folclóricos e algumas vezes mordazes. A esplanada suspendia-se sobre a praia, e abarcava não mais de dezoito a vinte mesas, rijamente disputadas pelos poucos afortunados que podiam pagar absurdamente, até para os padrões Europeus, a eficiência e qualidade de um serviço de restaurante de qualidade máxima, numa cidade onde à grossa maioria faltava o mínimo.

A visão deslumbrante do reflexo do Sol Africano no mar cálido, onde, não raro, se avistavam numerosas famílias de Golfinhos, convidava a mergulhos frequentes ou à contemplação entremeada de conversa fácil. As mais bonitas mulheres de Luanda vinham à Esplanada da Barracuda banhar-se de Sol, preparando a pele para impressionar nas noites da Discoteca do Panorama ou no Pensador.

Ao Pôr-do-Sol, que em África, nas suas cores de fogo vivo, impressiona até os mais distraídos, o cacimbo empurrava-nos para casa, agora já libertos das imagens dos horrores do quotidiano, embriagados de conforto, cegos na esperança que a Paz transforma-se Luanda, a curto prazo e para usufruto de todos, numa grande esplanada virada ao Atlântico.

sábado, 8 de março de 2008

Kloster Langwaden

Foto: www.grevenbroich.de
Nome: Kloster Langwaden
País: Alemanha
Cidade: Grevenbroich - Dusseldorf
Saber mais:
www.grevenbroich.de; www.klosterlangwaden.de

Numa Alemanha pouco conhecida para nós, Portugueses periféricos duma Europa distante e sem dominar a língua, o GPS havia feito o milagre de nos levar sem falhas até à porta do que julgávamos ser um comum hotel.

Previamente reservado pela Internet, o critério de escolha tinha sido unicamente o da disponibilidade – num raio de 50 km não havia onde dormir na região de Dusseldorf naquela e seguintes noites. Tal como nós, milhares de pessoas percorreram meio mundo para não faltar à chamada da maior feira mundial de negócios do nosso sector profissional.

À chegada, numa noite de Domingo, quase madrugada de Segunda-feira, dois coelhos brincavam sobre o extenso relvado. Cegos pelos faróis do automóvel, por momentos pararam, perdidos na violenta explosão de luz que lhes retirou a sabedoria. Antes, como senhores da noite, dominando o curso das suas vidas apesar do breu; agora, indefesos, expostos ao perigo, à mercê da vontade alheia, por causa da luz. A berma do caminho foi refúgio num último reflexo de instinto sobrevivente.

Estávamos, sem o saber, num imenso Convento Católico, onde uma ala está preparada para receber hóspedes. O edifício esmaga de tão belo, de simetria perfeita, integrado num imenso bosque bem cuidado e estimado. Logo à entrada, onde a simpatia do recepcionista não atenua as dificuldades decorrentes do mau Inglês, somos transportados para uma atmosfera mais propícia a estadias contemplativas ou retiros espirituais do que a fazer descansar o corpo massacrado pela viagem. Na parede defronte, uma discreta foto do Cardeal Joseph Alois Ratzingar, desde Abril de 2005 conhecido por Papa Bento XVI, dá as boas-vindas aos visitantes, encimada por uma curiosa cruz em pedra, grosseiramente trabalhada, com as pontas todas de tamanho igual.

Na parede do primeiro patamar da larga escada que nos leva ao piso dos quartos é impossível não nos determos numa representação de Cristo na cruz – com toda a certeza o Cristo mais amargurado, triste, derrotado, que alguma dia pude observar. A cabeça completamente pendente e assente sobre o ombro direito transforma a escultura num T gigante e não numa cruz tradicional, como estamos treinados a identificar. Os longos cabelos desalinhados sobre a face não deixam percepcionar a dor, que se sente estar presente em todo o conjunto.

Na solidão do quarto, aquela imponente dignidade espartana feita só do mais essencial, obriga à introspecção, às humildes interrogações que no maior conforto não se colocam. O sono de tão rápido não deve ter cumprido por inteiro todos os seus ciclos – foi inevitável não acordar às seis da manhã ao som do pequeno sino que alerta para a alvorada de um dia mais. A ressaca domina.

O pequeno-almoço, não destoa de todo o conjunto: modesto e simples, é tomado num refeitório sobre a influência magnífica de uma tela gigantesca, representando uma clássica natureza-morta. O pão, amassado e cozido dentro das paredes do Convento é marcado a ferros num baixo-relevo representando as armas do Kloster Langwaden.

Saí para a manhã fria apesar de soalheira. Inspirei aquele bom ar e, de dentro veio uma satisfação tão intensa que percebi ter encontrado mais um lugar para juntar a tantos outros na minha memória.